domingo, 23 de agosto de 2009

8 - Viajar a baixo custo

Arqº pessoal: Praia de Calangute, Goa


Arqº pessoal: Almoçando com um amigo num "restaurante de rua" no centro de Mumbai

Não m'invejo de quem tem

Parelhas, éguas e montes;

Só m'invejo de quem bebe

A água em todas as fontes

Canção pop.

Nem todos os viajantes dispôem dos meios de fortuna que supostamente alimentam as carteiras daqueles que fazem das viagens o leitmotiv da sua existência. Pergunta-se então, como conseguem?
Para dar uma explicação cabal, que pudesse inclusivamente servir de dica a alguém desejoso de aderir ao clube, seriam necessárias várias páginas e muita paciência da vossa parte. Por isso, vou aflorar apenas alguns tópicos garantindo desde já que para esta disciplina não existem professores, e a única forma de aprender é … fazendo!
O primeiro item a ter em consideração, é o da destrinça clara entre aquilo que se pretende: Fazer turismo ou viajar?
Qualquer viajante pode ocasionalmente virar turista, mas, nem todo o turista se pode tornar viajante, ainda que o queira ardentemente! Ser viajante, exige ser-se portador de um conjunto de condições físicas e psicológicas na ausência das quais viajar pode ser sinónimo de verdadeiro tormento. Isto não significa que esteja fora do alcance das pessoas comuns, com sentido prático e mediana capacidade de adaptação. Então:
O viajante não tem sítio nem hora para comer, tanto pode enganar o estômago com uma chamussa confeccionada à la porcalhota numa rua de Mumbai (Bombaim) como deliciar-se com um belo churrasco em Mendoza, na pampa Argentina, antes de começar a subida para os Andes onde irá tremer com o esforço e o frio. Em África (Guiné Bissau por ex.), tem que estar disposto a uma dieta mais pobre, bianda (arroz) com dentes e…vamos indo! Como já comeu os sete alqueires e meio de caca que a mãe natureza atribui a cada ser vivente da espécie humana, adquiriu por isso um certo grau de imunização que lhe permite beber água em todas as fontes, como diz a canção. Com efeito, não teme o brandy del cano (água da rede ou poço) e come saladas e frutas cruas em qualquer latitude, sem a preocupação de que daí a umas horas possa estar a cagar fininho (com diarreia), e se estiver, será uma coisa passageira. Quando regressa a Portugal e vai ao supermercado, o viajante não mais deixará de contemplar com devoção as latinhas do Bom Petisco ou Ramirez. Abençoados sejam quem as fabrica! Lá por fora, come-se muita mixórdia com o nome de conserva, mas posso afiançar que não há em mais parte nenhuma do mundo conservas como as nossas. Daí esta sugestão entre outras que hão-de vir, lá no fundo da vossa mochila, metam umas latitas, just in case.
Passa dias sem lavar os dentes ou tomar banho, desinfecta feridas, arranhões e foles dos pés com a sua própria urina ou dos companheiros. Se é picado por uma mamba negra (S. Tomé), adoece gravemente ou sofre um acidente em local remoto, que Deus tenha piedade da sua alma. Espanta os mosquitos à palmada e guarda religiosamente o mephaquin que o médico mandou tomar como profilático da malária para uma situação de emergência em que já tenha contraído as sezões. Não está muito preocupado com a morte. E quando acontecer, que seja com os olhos e a alma cheios!
Dorme pouco. Procura viajar de noite para poder cochilar um ratito (gosto desta palavra espanhola!) nos assentos do autocarro, avião ou comboio e assim poupar algum em hospedagem. Como bagagem, leva apenas aquela que pode transportar às costas. Assim não há o perigo de se extraviar nos aeroportos ou ser roubada. Daí ter de usar as mesmas roupas semanas a fio e, quando o desconforto (ou o cheiro ou ambos) se tornam insuportáveis, rapa do pedaço de sabão azul e branco que transporta consigo e arranja maneira de fazer uma geraldina (barrela geral).
Traz consigo o télélé carregado a fundo antes de sair de casa que servirá apenas para, uma vez por semana e sempre através de sms, informar a família do seu paradeiro. Ou onde terão de procurá-lo em caso de não dar à costa na data prevista. Fora isso, é ligado durante cinco minutos à hora e com a periodicidade combinada para receber qualquer mensagem ou chamada de emergência.
Em futuro post, falarei de outros normativos por mim próprio estipulados a que obedeço religiosamente nas minhas andanças. Porém, e antes de terminar, quero responder à dúvida que insidiosamente se foi instalando na mente dos meus amigos à medida que passavam os olhos por este pequeno texto:
Será que vale a pena? Qual será o gozo de viajar nestas condições?
Meus caros, como dizia a famosa loira (sem ofensa para as loiras!), estar vivo é o contrário de estar morto. Nesta perspectiva, nada nos pode fazer sentir mais vivos do que viajar. Lembro a propósito, uma afirmação que ouvi a um professor nos meus tempos de chavaleco. Dizia ele que durante uma vida normal, cada um de nós terá deambulado pelo planeta cerca de trinta mil quilómetros. Ora, o acto de viajar multiplica esse valor por n, expandindo a nossa vida muito para além da sua duração cronológica. É como se adicionássemos mais vida à vida.
Quanto ao retorno, ele é imenso. O prazer resultante da ultrapassagem das vicissitudes de uma viagem é idêntico ao do atleta que se supera a si mesmo, batendo o seu próprio record. Haverá emoção mais forte? Existirá maior alegria?
Com votos de boas viagens para todos,

Juan



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