sexta-feira, 2 de outubro de 2009

33 - Viajar em seviço

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Foto: Lisboa, zona portuária.

Um testemunho
Entre as profissões mais desgastantes tanto a nível físico como psicológico, estão aquelas que obrigam a frequentes deslocações, por vezes entre continentes. Existem imensos estudos que demonstram a influência muito perniciosa para a saude resultante do jet lag, que consiste na transposição de vários fusos horários no lapspo de apenas algumas horas. Qualquer um de nós que tenha passado pela experiência de uma semanita de férias num país da América do Sul, por exemplo, conhece bem a neura dos dias da chegada, depois de uma noite mal dormida e dos sonos trocados. Mas aquilo de que poucos se darão conta, é dos danos que o exercício destas profissões provocam a nível das relações familiares. Relatos como o que se segue, ouvi-os inúmeras vezes da boca de colegas de trabalho com muitos anos de mar. Invariavelmente, detectei uma mágoa oculta, profunda, por não terem podido dedicar mais tempo aos filhos e sobretudo, por não terem usufruido mais da companhia dos garotos quando eram pequenos, agravada pelo sentimento de se sentirem estranhos na sua própria casa. Se em muitos casos a cicatrização não deixa sequelas, outros há em que os estragos se tornam irreparáveis, levando à total desagregação familiar.

Eis o texto do e-mail do amigo Santos Oliveira:

JUAN

Sei (decerto sei, apenas porque estou convencido de tal) como está o teu sentir.
Ontem não havia Postado nenhum Comentário, porque me passou o filme todo pela mente e o que poderia ter dito nem sequer poderia (por razões de ética), expressar o mínimo do que acabei por dizer (lê, escrever).
Do empurrãozito, não te livraste, nem te livrarás. Eu disse que estou aqui e vou manter tal afirmação e postura.
Queres (conseguirás???) entender o que é o tipo de trabalho do tipo do que eu tive (que gostava e gosto) em que dedicava umas boas 12 a 14 horas por dia, mesmo sabendo que jamais teria uma compensação material adicional, privando com Dirigentes da Empresa, em sítios diversos, estudando modos e métodos, planeando estratégias e nunca sair para conhecer os lugares onde estava? Nem sequer havia disposição para tal, Amigo.
Aeroporto, Hotel, Trabalho, Banho, Dormir (pouco), Trabalho mais Trabalho, Estratégias e Conclusões, Aeroporto, Casa, Família... tudo de enfiada?
Que achas que tenho para narrar? Que estava cansado? Que tinha sono?
Agora, tenho pena das noitadas que não fiz mas sentia-me arrasado física e psicologicamente, até pelo "chamamento" da família lá por casa.
Aconteceu, tinha a minha filha uns doze anos, que, num sábado, por mero acaso almoçando em família, ela se voltou para a minha mulher e disse textualmente:
"Mamã. Hás-de dizer-me quem é este senhor que vem cá comer, de vez em quando, e parece morar aqui connosco?".
Foi a maior (única)"pancada" que a minha Filha me deu. Doeu. Doeu muito, podes crer.
Mas acho que o teu Amigo aprendeu a não ver a Filha apenas a dormir.
Na verdade chegava com ela a repousar e saía antes de ela acordar. Depois disso, penso não haver acontecido nada de semelhante, pelo menos comigo por cá em Portugal, com as excepções de um a dois dias de longe a longe.
De violências destas para uma criança, chegou.
Hoje, ela ri-se, mas acrescenta que foi o que sentiu naquela altura.
Mas tenho imensas alegrias com o que consegui criar e com o que daí descendeu. Tenho uma Filha exemplar e dois Netos de sonho, apenas um tanto longe...
Não é por falta disso que o coração fraqueja de tempos a tempos.
São mais as emoções, as frustrações por que se passa, as descobertas de falsos caracteres, os sofrimentos que sinto nos outros e que sou impotente para remediar, etc.

Hei! Onde já vou!...

Recebe o maior abraço do Mundo, do
Santos Oliveira

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