sábado, 29 de março de 2014

126 - Um passeio à srª do alfarrobeirão.

Não sei onde fica. Mas sei como se chega lá: Caminhando, ao sabor do acaso, sem destino pré-conjecturado. Juntando quilómetros aos quilómetros, por simples impulso, quantas vezes por via de um “engano” no momento de decidir qual a direcção a tomar. Como quem faz uma construção sem projecto, com a certeza de que se ela vier abaixo só há que recomeçar. É assim que eu gosto e de alguma forma tenho praticado. Quanto ao nome da santa ele foi-me “resmungado” um dia pela Fernanda, mulher do João, meus vizinhos na Cidade sem Lei onde me instalei há mais de trinta anos (vejam o que diz o post nº 65). Foi num dia em que me ofereci para lhes proporcionar um passeio de carro pela serra algarvia. Chegado o lusco-fusco e pressentindo não estar em casa à hora de servir o jantar aos seus bichos - criava com desvelo coelhos, galinhas, porcos e cabras -, arremeteu indisfarçadamente xiringada: Atão ainda falta munto para dar a volta à sra. do alfarrobeirão?
O João, “montanheiro” da Murteira de Baixo, freguesia de Moncarapacho, há muito que dobrou o cabo dos oitenta. É um homem “enxuto”, bastante activo para a idade, olhar perspicaz e palavra fácil. Com ele tenho mantido longas sabatinas em que aprendo muito daquilo que não vem nos livros. Possui cultura acima da média para a sua geração e origem social assim como uma interessante história de vida, quase toda ela dedicada ao mar. Em Portugal e Angola de onde regressou após a independência com a mulher, o único filho e uma mão atrás e outra à frente. Exceptuando um estágio na Prisão-Escola de Leiria onde malhou com os costados por uns dois anos devido a uma asneirola de juventude, tem sido um trabalhador incansável. Continuou a sê-lo mesmo depois de passar à situação de reformado; como arrais, transportou milhares de veraneantes nos barcos que da Fuseta cruzam o canal até à ilha de Armona. No resto do ano repara artes de pesca principalmente covos e morejonas por encomenda dos seus colegas no activo. Deste modo vai dando uma mãozinha à família do filho, (nora e dois rapazes já adultos), até agora pouco bafejados pela estrelinha da sorte. Actualmente vivem todos sob o mesmo teto, uma típica e humilde casinha algarvia que o João mandou restaurar após o regresso de África. Onde tenho partilhado alguns dos mais agradáveis momentos de convivialidade, cavaqueira e petisqueira da minha existência.*
Hoje em dia o João tem uma preocupação maior, a mulher. Conheceram-se num bailarico na Maragota já lá vão cerca de 57 anos. Serranita baixinha, tisnada pelo sol dos campos de Casas Baixas, freguesia se Cachopo, veio muito nova para a Luz de Tavira onde durante anos, na qualidade de criada de servir se ocupou da pecuária do senhor Passos, sogro do Dr. Jorge Correia. Casaram e foram viver para a casita modesta que puderam construir numa parcela pertencente aos pais do montanheiro localizada na Cidade sem Lei** na margem da Ria Formosa. Formiguinha laboriosa, a Fernanda entregou-se de corpo a alma ao serviço do bem-estar e felicidade da sua família. Foi mariscadora na Formosa, fantástica despensa da natureza da qual milhares de algarvios continuam a retirar o sustento dos seus, em Matosinhos trabalhou na indústria conserveira, acompanhou o marido na aventura angolana e regressou … à conquilha ao lingueirão aos carcanhóis e a mais tudo aquilo que mexesse sob o fundo arenoso da Ria. Entretanto, com a ajuda de amigos que nele confiaram, o João voltou a ser um pequeno armador bem-sucedido. Descarregou tecas de peixe nas lotas de Sines, Lagos, Portimão e Quarteira, onde era mais valorizado. Nessa época a patroa dedicou-se totalmente à exploração de uma pequena agropecuária. A família atingiu razoável desafogo financeiro, refez o seu pé-de-meia deixando para trás momentos verdadeiramente marafados. O pecúlio acumulado permitiu-lhes sonhar com uma velhice tranquila.
Nas muitas voltas que a vida dá, a má sorte bateu-lhes ao ferrolho. Desta feita através do filho. Também ele pescador, somou azar com insucesso, perdas com prejuízos, negócios ruinosos com provável ausência de visão empresarial. O “tesouro” do Velho foi sangrando até à exaustão para acudir à “pouca sorte” do rapaz. De um momento para o outro viu-se obrigado a albergar sob o seu teto a família toda. Quanto aos netos … que Deus lhes valha!
Da noite para o dia a avó foi apeada do seu trono de rainha da casa. A sua “zona de acção” e até os aposentos da abelha-mestra foram usurpados por bárbaros. Durante meses sofreu, caladita, o descarado ataque à sua dignidade. Remoeu a frustração em silêncio. A frustração passou a dor e a prazo esta consumiu-lhe os neurónios reduzindo-a à condição de zombie: Hoje, completamente tan-tan, adivinhamos-lhe o olhar fixo algures no passado, raramente balbucia uma palavra, não sabe a quantos do mês ou qual o dia da semana em que nos encontramos. Não fosse o cuidado vigilante do marido, já se teria perdido num brejo qualquer vestida com aquilo com que a mãe a deitou ao mundo.
Este Inverno tem-se mostrado bastamente “castigador”. Valeu-nos a primeira quinzena de Março com uma meteorologia fabulosa e dias de sol a criar a ilusão de que o Verão estava aí. “Picou” o chamamento das viagens. Na Primavera a Europa é um óptimo destino para um passeio à srª do alfarrobeirão! Ou a África ou a América ou qualquer sítio de não importa que continente! Bom é estar sempre a partir …
Planeei vagamente ligar Sagres a um destino europeu. Ou talvez magrebino…? Carregada a ramona com os essenciais fiz-me à estrada, viajante solitário como vai sendo hábito. Considerando o ponto de partida, em Grândola embiquei ali para V. N. Santo André que já não visitava há anos e onde tencionava encontrar-me com o casal Josué e Suzete, ele engº, ela médica, meus amigos dos tempos de Coimbra e de juventude. Debalde! Afinal a procura não foi em vão pois deixei rasto que permitiu ao Josué contactar-me pouco depois. Trocámos nºs de télélé e endereços de e-mail e certamente vamos reforçar os laços de amizade algo frouxos devido à passagem dos anos. Em Sines passei a primeira noite e convivi com o meu primo Orlando, um Monsieur natural de Pombal, senhor de um CV digno de um príncipe das arábias. Depois, S. Torpes, Porto Covo, Pessegueiro, Milfontes, Almograve, Odeceixe, Aljezur e Costa Vicentina abaixo. Devagar, devagarinho lá acabei por vislumbrar o azul do mar do nosso Algarve que, por acaso, até banha as melhores e mais belas praias do mundo. Demorei dois dias e meio para chegar a Lagues, mas valeu a pena. A minha sede de viagens ficou parcialmente aplacada!
E, aquilo que parecia ser uma primavera precoce e risonha não passou de um engodo. Para quem mordeu o isco o S. Pedro despachou umas caldeiradas de água, o que nem se pode considerar uma surpresa dado que estamos em Março. Mas lá que abrandou a pica da viagem, isso é indiscutível. Tenho aproveitado para descansar e prontos, paraquistou há dias, indeciso entre o ir e o ficar, prosseguir rumo ao país vizinho ou retomar o passeio a partir de Pombal. Darei notícias logo que as tenha. E obrigado a todos pela atenção! 
* Com grande tristeza constatei à chegada que o portão da casa da família ostenta agora dois cartazes dizendo um Vende-se ostentando o outro o nome de uma imobiliária.
** Cidade sem Lei é o único nome pelo qual a localidade é conhecida na região. O que toponimicamente corresponde a Murteira de Baixo, freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão. Traduzido significa "o que resta do paraíso"!
 Ramona carregada, vamos fazer-nos à estrada.
 Duas das 7 netas, a Mariana e a Joana vieram despedir-se do avô. Ah, se elas pudessem também seguir viagem ...!
O gesto da Joana ( V ) é sinal de bom augúrio! O Avô vai ser bem sucedido nesta viagem.
Quem vai ao mar, aparelha-se em terra1 Primeiro vamos ao almoço no meu restaurante de todos os dias.
 Chegada a Sines junto ao monumento ao bombeiro.
 Muralha do castelo de Sines e...
 ... um cantinho da cidade.
 Em Sines com o primo Orlando. 
 Uma imagem do litoral do parque natural de Porto Covo.
 Porto Covo: parque natural.
Estrada ao longo da costa alentejana.
 Uma praia de Porto Covo.
 Paisagem alentejana.
Ilha do Pessegueiro e ... 
 ... respectivo forte.  Daqui em diante ...
 ... são quilómetros e quilómetros de dunas, areal e reais atascansos.
O Amândio, pequeno café-restaurante em Ribeira da Azenha onde alguns atascados chegam pedindo socorro. 
 Porto da Barcas em Milfontes.
 Estuário do rio Mira. 
 Forte de S; Caetano em Milfontes.
Um cantinho da Vila.  
Aldeamento de Almograve.  
 Praia de Almograve,
 Uma vista da rua principal de Aljezur.
 Pelas serranias de Monchique. 
 Barragem da Bravura.
 No centro de Odiáxere. 
Chegada aos meus domínios na Cidade sem Lei.
 As dua instituições mais importantes da Cidade sem Lei: O grupo Motard e o snack bar "o conquistador".
A Fernanda e ...
 ... o João.